Outras Trilhas

Qual é a sua bússola?

O brega e o cult: Gérard Depardieu nos seduz com o improvável

Como um artista brega se transforma em um astro cult? Qual é a fronteira entre a cafonice e a autenticidade? Você sempre pode responder essas perguntas usando a lógica de mercado: o tal artista hipotético, por exemplo, poderia ganhar esse status com o apoio e munição$ da poderosa indústria do entretenimento. Certo?

Mas esse argumento carrega a idéia de que o público é altamente manipulável e tem poucas condições de discernir entre o que é bom (rico em significados, inovador, inspirador) e mau (superficial, comercial, vazio) no mundo da arte.

O filme Quando estou amando (Quand J´Étais Chanteur, França, 2006), em cartaz nos cinemas brasileiros, prova que, quando um artista está profundamente envolvido com sua própria arte (alma?), até o mais cafona dos espetáculos pode comover uma platéia apática.

E é isso que acontece dentro e fora da tela grande. No filme, Gérard Depardieu interpreta Alain Moreau, um cantor que ganha a vida com as apresentações que faz em salões de dança e boates de terceira linha. Uma bela noite, ele se apaixona pela corretora de imóveis Marion (a belíssima Cécile de France). A partir do encontro, ele tenta cativá-la com sua música, antiquada e excêntrica não apenas aos ouvidos de Marion mas da grande maioria de nós, observadores do drama romântico.

Durante a exibição do filme somos, pouco a pouco, seduzidos pela dupla Moreau/Depardieu. O personagem Moreau consegue derreter as resistências do espectador diante daquilo poderia ser considerado “brega.” Ao transmitir sua arte com paixão e desenvoltura, percebemos que o “feio” ou “cafona” é capaz de comover e inspirar beleza.

Com a ajuda do diretor Xavier Gianolli, o ator Depardieu nos encanta com sua capacidade de mostrar toda a riqueza de um personagem aparentemente inexpressivo e ultrapassado. Em um mundo pasteurizado pelo consumo, que valoriza apenas os ganhadores e a beleza da juventude a qualquer preço, Moreau só poderia ser considerado um cantor decadente e patético. Mas não nas mãos de Depardieu.

A interpretação do ator francês ilumina o lado do personagem que é ofuscado por nossos condicionamentos e expectativas. Diante de nós, vemos no personagem Moreau um pequeno grande herói, um sedutor irresistível, um homem autêntico. Enfim, um artista “cult” de primeira grandeza.

Ao sair do cinema, lembrei imediatamente de nossos Waldicks e Caubis. Não gosto particularmente desse estilo musical, mas não pude deixar de refletir sobre meus próprios preconceitos em relação àqueles que transmitem, de forma simples e honesta, esses sentimentos universais que vagam pelas noitadas afora.

Cults, sim!

#prontofalei

setembro 9, 2008 Posted by | Café Outras Trilhas | , , , , , , , , , , , , , , | Deixe um comentário